Depoimento – Harumi Arashiro Goya

Harumi Arashiro Goya
Presidente de 2002 a 2006

Meu primeiro contato com a JICA aconteceu em 1990, por meio da bolsa de estudos, e esse relacionamento se solidificou em 2002, quando ocupei a presidência da ABJICA. Foram dois momentos muito especiais em minha vida que gostaria de relatar. Tinha cinco anos quando, no dia 15 de outubro de 1958, cheguei ao Brasil junto com minha família. Deixamos a ensolarada ilha de Okinawa para tentar a vida como imigrantes agrícolas. Inicialmente, fomos morar num sítio com plantação de café, em Cambará, no norte do Paraná.

No ano seguinte, comecei a frequentar a escola local e fui alfabetizada simultaneamente em português e japonês. Me lembro que a minha maior dificuldade na escola brasileira era o absoluto desconhecimento da língua. Sentava na minha carteira e ficava olhando para o professor, que explicava a matéria, e eu sem entender o que estava acontecendo! Por sorte, minhas amiguinhas nisseis traduziam para mim, de forma reduzida, os trechos que consideravam importantes. Quando brigávamos, era grande o meu sofrimento, pois ficava sem a tradução! Até hoje não consegui entender como terminei o curso primário, mesmo sem entender a língua. Também me recordo que aprendemos as duas línguas naturalmente, sem nos confundir.

Em casa, a língua praticada era o dialeto okinawano, completamente diferente da língua japonesa oficial. Fiz o curso primário na escola rural de Cambará, numa classe mista, e o ginasial e normal numa escola pública em Ourinhos, no Estado de São Paulo. Depois me mudei para São Paulo para cursar a faculdade de engenharia, que terminei em 1977. Era uma época difícil para a construção civil. Tanto é que, depois de atuar quatro anos no setor de elaboração de orçamento, planejamento e custo de obra, decidi prestar concurso para o funcionalismo público. Em 1986, ingressei para o quadro de Fiscalização Estadual de São Paulo. Graças ao trabalho na Secretaria da Fazenda, em 1990 fui indicada como bolsista da JICA para o curso “General Tax Program at National Tax Administration”, de três meses e meio, em Hachioji, no subúrbio de Tóquio.

Foi uma oportunidade dos sonhos! Afinal, em 1978, não consegui ser aprovada para estudar na Universidade de Okinawa por meio da bolsa kempi ryugaku. Já havia passado mais de trinta anos desde que imigrara ao Brasil e ainda não havia retornado à minha terra natal. E, portanto, a expectativa era incontrolável. Fui muito nervosa à entrevista de seleção com o Sr. Hirokazu Sasaki, na época, diretor da JICA. Fiquei muito feliz ao ficar sabendo da aprovação, e, em primeiro lugar, comuniquei a notícia aos meus pais. Pedi para agradecer aos ancestrais acendendo o osenko (incenso) junto ao butsudan (oratório) da família. Fiquei muito grata ao meu marido, Milton Goya, que comemorou comigo a aprovação e não se opôs à viagem. Ao chegar ao Japão, parecia viver um sonho.

Estava entrando num ambiente com comida e costumes que estava habituada a ver na revistas semanais (zashi) e mangás, mas, ao mesmo tempo, a sensação era de que nunca havia saído de lá. Eu me sentia completamente ambientada – na minha família, dominava a língua japonesa! O curso reuniu participantes de 19 países diferentes e mais 3 japoneses, todos da área de tributação. A troca de experiências e a convivência com os bolsistas de vários países foram uma experiência única e inesquecível. Sou muito grata ao governo japonês por essa experiência e por ter me proporcionado um tratamento de primeira qualidade, cuja ajuda de custo, além de cobrir as despesas com alimentação, possibilitava assistir aos espetáculos culturais e visitar pontos turísticos nos finais de semana. Ao término do curso, em dezembro de 1990, pude viajar a Okinawa para rever a família e o local onde nasci e passei a primeira infância. Tudo mudado – misteriosamente, parece que tudo tinha encolhido! As estradinhas de terra das lembranças de minha infância tinham dado lugar ao asfalto! Foi um reencontro emocionante com os tios e as tias. Reconheci todos os primos e as primas e recordava do nome de cada um deles.

Minha sensação foi a de que sempre tivesse vivido com eles. Era como se tivéssemos conversado ontem e, agora, estivéssemos continuando. Foi um momento mágico. Em 1996, novamente fui escolhida para participar de um curso especial da JICA, “Administrative and Fiscal Reform in Brazil ”, em Ichigaya, Tóquio, preparado para um grupo de cinco brasileiros, com duração de 15 dias, como parte do acordo de troca de experiência dos funcionários públicos, firmado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e o Primeiro Ministro do Japão na época. Como da primeira vez, a experiência foi maravilhosa, mas diferente da anterior, pois todos os participantes eram brasileiros.

Ciente da importância de se retribuir um pouco de toda colaboração recebida do governo japonês, passei a participar da reunião da diretoria da Associação dos Bolsistas JICA – São Paulo e dos eventos organizados em parceria com a JICA e o Consulado Geral do Japão em São Paulo. Em 2002, recebi um telefonema do então presidente da ABJICA, Toshi-ichi Tachibana, que me pegou de surpresa. Ele pedia para que eu assumisse a diretoria da entidade, pois a pessoa que vinha sendo preparada para o cargo recusara a função, alegando motivos particulares. Para mim, profissionalmente, aquele era um momento difícil. Eu estava muito ocupada com o projeto de modernização na Secretaria da Fazenda, que tinha como alicerce a Tecnologia da Informação. Eu coordenava a equipe de implantação do Departamento de TI e de preparação da infraestrutura de TI para os sistemas aplicativos que seriam usados para melhorar o processo da Secretaria da Fazenda. Apesar do trabalho intenso na área profissional, senti que era a oportunidade de fazer o (ongaeshi: retribuição de favor) e aceitei o desafio de ser a primeira mulher a assumir a presidência da ABJICA. Os exbolsistas da Secretaria da Fazenda, Milton Vassari Nunes, Valéria dos Santos Gabriel e Maria de Fátima Alves Ferreira, vieram me ajudar, fazendo parte da diretoria.

Aprendi lições preciosas, e entre elas, cito a diferença de dirigir profissionais e voluntários, visto que, na função de gestora, exige-se muito mais habilidade para motivar os voluntários na execução de uma tarefa do que dirigir os funcionários no ambiente profissional. À frente da diretoria da ABIJICA, foi um período de parceria muito intensa com o Consulado Geral do Japão, por meio do Cônsul Geral Kiyotaka Akasaka, especialista em meio ambiente, realizando muitos seminários e fóruns. Também na JICA de São Paulo, sob a direção de Hyogen Komatsu, foi um período de numerosas atividades. Os associados também participavam bastante. Eu me recordo que, em 2005, realizamos o jantar do tradicional bonenkai (despedida de final de ano), na concorrida Sala São Paulo, com a presença de mais de 250 pessoas. Nesse evento fomos prestigiados com a presença do recém-chegado Cônsul Geral do Japão Masuo Nishibayashi, que nos brindou com um recital de violino. Destaque ainda para o Secretário da Administração Penitenciária, Dr. Nagashi Furukawa. Foram duas gestões como presidente da ABJICA, e tínhamos, como associado ilustre, nosso grande sempai, o Professor Kokei Uehara, que, em 2003, assumiu a presidência da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e Assistência Social (Bunkyo) e me convidou para ajudá-lo na diretoria. Com o tempo, fui me envolvendo nas atividades do Bunkyo e, atualmente, estou como vice-presidente.

Agradeço de coração ao governo do Japão, que me proporcionou a experiência maravilhosa de conhecer o Japão, sua cultura e o seu povo. Não tenho dúvidas de que foram experiências que se somaram à formação da pessoa que hoje sou, ou seja, qualificou-me ainda mais ao atuar como presidente da ABJICA, que considero uma espécie de ponte para o cargo que hoje ocupo de vice-presidente do Bunkyo. Meus sinceros agradecimentos aos amigos que participaram da diretoria na minha gestão e aos amigos associados que atuaram firmemente para o sucesso da gestão. Obrigada ao Governo Japonês! Deus abençoe a todos.

Harumi Arashiro Goya, ex-presidente da Abjica, e Ricardo Daruiz Borsari, ex-superintendente do DAEE, em plantio de instalação do Bosque da Diversidade