Depoimento – Agostinho Tadashi Ogura

Agostinho Tadashi Ogura
Pesquisador do Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT)
Ex-diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN)

Na carreira de cada um de nós surgem oportunidades que, se bem aproveitadas, nos ajudam a crescer e tornam prazeroso nosso crescimento pessoal e profissional. Este breve relato pretende contar como se deu minha educação e como a JICA está entrelaçada nos caminhos que levaram ao meu desenvolvimento profissional. Meus pais imigraram do Japão no início dos anos 50 em busca de novos horizontes de vida em um país jovem e promissor, saindo de um país em reconstrução após o final da Segunda Guerra Mundial.

Meus pais escolheram o Brasil por motivos religiosos, mais do que por necessidade de caráter econômico. Segundo soube, foram orientados por um padre católico alemão da igreja que freqüentavam em Tóquio a virem para o Brasil pela tese de que só vivendo em um país com base cristã, se tornariam verdadeiros católicos. Com certeza essa lógica de pensamento do padre alemão não é livre de questionamento, mas de todo modo, hoje fico feliz de eles terem tomado a coragem e decidido vir sozinhos ao Brasil, enfrentando a opinião contrária de meus avós e de praticamente todos os demais parentes, o que possibilitou eu ter nascido aqui, e como nissei pude ter contato com a cultura japonesa e ser brasileiro amante do futebol e das coisas nossas, como uma boa feijoada, o carnaval e a alegria de viver.

Nasci em Niterói, Estado do Rio de Janeiro, em 1957. Quando já me sentia um perfeito fluminense, meus pais decidiram se mudar para São Paulo, e com 7 anos, lá fui eu, um japonês com sotaque carioca morar na capital. Como a comunidade japonesa em São Paulo era mais numerosa do que a do Rio de Janeiro, a possibilidade de eu frequentar escolas para aprender o idioma japonês era maior. Assim, desde o primário, com 7 a 8 anos de idade, além de frequentar uma escola pública normal, tinha aulas de língua japonesa com professoras japonesas bem rigorosas. Continuei estudando japonês praticamente durante toda a minha vida escolar até entrar para a faculdade.

Não que eu tenha me tornado um perfeito proficiente na língua japonesa, muito pelo contrário, mas a base que me foi dada do idioma de meus pais, por iniciativa deles, me abriu portas de oportunidades importantes para a minha vida, principalmente na carreira profissional. Em 1977 entrei no Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo, onde me formei em Geologia em 1981, ano em que faleceu meu pai. Aqueles tempos eram de crise econômica e crise de emprego, e após a formatura fiquei um ano tentando encontrar um trabalho na minha área de estudo, enquanto prestava serviços em outras empreitadas. Enquanto uma oportunidade de emprego na área de Geologia não vinha, tive a chance de trabalhar para um senhor japonês que me contratou como assistente para realizar filmagens sobre a região do Pantanal matogrossense.

O fato de ser nissei, estar precisando trabalhar e falar um pouco de japonês, ajudou na sua escolha. Eu dirigia a Kombi, fazia contatos com a EMBRATUR, ajudava na compra dos equipamentos de filmagem, enfim, ajudava no que fosse necessário para viabilizar a empreitada. Quando tudo estava programado para nossa viagem para o Pantanal, eis que recebo um telegrama do Instituto de Pesquisas Tecnológicas – IPT – me chamando para oferta de emprego na área de Petróleo. Estava tão envolvido com a missão da filmagem com tudo acertado para viajar para o Pantanal que confesso que fiquei por um momento em dúvida sobre qual caminho seguir.

Mas pensando na oportunidade de seguir uma carreira no IPT, resolvi, em julho de 1982, virar empregado dessa empresa pública, na qual estou funcionário até hoje. Esquecendo a aventura de ir para o Pantanal, fui contratado como geólogo responsável pela fiscalização de levantamentos de geofísica na área de Petróleo, trabalhando no projeto Pauli-Petro, de prospecção de petróleo na Bacia do Paraná. Tive que estudar muito sobre essa especialidade e me dedicava a compreender ao máximo sobre o assunto conversando algumas vezes com consultores estrangeiros. Tudo estava dentro de uma rotina normal de trabalho de prospecção geofísica no interior do Estado do Paraná quando recebo um comunicado para ligar urgente para a sede em São Paulo.

Ao ligar, meu chefe imediato me perguntou se estaria disposto a participar de um curso de treinamento da JICA e que, se positivo, era para retornar imediatamente para São Paulo. Agradeci pela escolha e não titubiei em aceitar. Era um curso de 7 meses sobre Offshore Prospecting sediado no Serviço Geológico do Japão (Geological Survey of Japan) que ficava em Tsukuba. Ao perguntar porque da lembrança do meu nome, meu chefe da Pauli-Petro lembrou que além de eu falar inglês, também tinha conhecimentos de japonês, o que facilitou a minha indicação. Em duas semanas, preenchi todos os formulários, providenciei todos os documentos necessários, realizei uma entrevista inesquecível com a saudosa Sra. Hiro Lia Okayama e embarquei para essa jornada de enriquecimento pessoal e profissional no Japão. Para mostrar a importância da JICA naquele momento de minha carreira profissional, é necessário contar que durante a minha participação no curso de treinamento lá no Japão, houve mudanças políticas no governo do Estado de São Paulo, com a eleição do governador André Franco Montoro, em substituição ao governador Paulo Maluf, que havia idealizado e executado o projeto Pauli-Petro.

Por discordar desse projeto, uma das primeiras ações do governador Franco Montoro foi encerrar as atividades da Pauli- -Petro. Nesse processo, diversos colegas que trabalhavam na Pauli-Petro foram demitidos do quadro do IPT e com certeza eu também o seria. O fato de estar participando do curso da JICA no Japão, como representante do governo do estado e funcionário do IPT, impediu de eu estar na lista de demitidos, e pude, assim, por uma obra do destino, continuar minha carreira no IPT. Durante os 7 meses pude me especializar na área de prospecção marinha e melhorar sobremaneira meu conhecimento do povo japonês e da cultura japonesa.

Mais que isso, tive a chance de fazer amizades que guardo com carinho até hoje. Dentre essas pessoas, tenho um carinho especial pela Sra. Kayoko Horiuchi, que foi uma das coordenadoras do curso e com a qual até hoje mantenho contato. De volta ao Brasil, pude aplicar meus conhecimentos adquiridos no Japão trabalhando no Agrupamento de Geofísica Aplicada da Divisão de Geologia do IPT. Em 1985, me transfiro da área de Geofísica para o Agrupamento de Geologia Aplicada da mesma Divisão de Geologia, onde começo a me especializar em temas como deslizamentos e riscos geológicos, abordando principalmente a região da Serra do Mar, em Cubatão, no Estado de São Paulo, que em 1988 foi objeto de um projeto da JICA em parceria com o Governo do Estado de São Paulo para elaboração de Plano Diretor de Obras de Prevenção de Risco de Deslizamentos na região. Em 1989 e 1990 pude participar de nova viagem ao Japão como bolsista da Província de Toyama para treinamento na área de Prevenção de Desastres de Deslizamentos na Divisão de Sabo do Departamento de Obras Públicas do Governo da Prefeitura de Toyama, numa cooperação internacional no âmbito das relações de amizade entre o Governo do Estado de São Paulo e o Governo da Província de Toyama.

Foram 10 meses de intenso aprofundamento no entendimento dos processos e cenários de risco de movimentos de massa e da administração das obras de controle sob a responsabilidade da Província de Toyama. Aproveito a viagem para rever amigos em Tsukuba, os colegas do Serviço Geológico do Japão e pesquisadores que conheci no Brasil quando do projeto JICA na Serra do Mar em Cubatão, em especial o Dr. Hidetomi Oi, da JICA, que me recebeu em sua casa em Tóquio, quando pudemos conversar sobre uma publicação conjunta abordando o tema Sabo works in Brazil. Em 1996, pude novamente ir ao Japão pela JICA para participar de Treinamento Técnico na área de Prevenção de Desastres Naturais. Na época ocupava o cargo de Pesquisador Chefe do Agrupamento de Geologia Aplicada ao Meio Ambiente do IPT.

Nessa época, já mais experiente, pude fazer uma avaliação do meu estágio de conhecimento frente a ilustres pesquisadores e professores na área de Gestão de Risco de Desastres Naturais do Japão e colegas de outros países. Um dos ganhos mais importantes decorrentes das oportunidades abertas pela cooperação com a JICA é a possibilidade de se ter uma boa clareza de como abordar tecnicamente de forma ampla a gestão do conhecimento na sua área de competência, fruto do adiantado estágio de desenvolvimento da área de Gestão de Risco de Desastres no Japão. O aprendizado e as experiências profissionais obtidos nessa relação pessoal com a JICA por meio dos projetos e dos cursos de treinamento foram fundamentais para o devido amadurecimento profissional que me permitiu desenvolver minha carreira de pesquisador no IPT e também estar preparado para desafios diversos. Neste contexto, pude colocar meus conhecimentos e experiência a serviço do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais – CEMADEN.

A oportunidade de dirigir um centro nacional pioneiro de caráter técnico-científico é um dos pontos altos do desenvolvimento profissional de minha carreira, em cujo processo de construção a parceria com a JICA foi fundamental. Reafirmo assim, o meu desenvolvimento pessoal e profissional como exemplo efetivo de um caso total de sucesso dos investimentos feitos pela JICA em prol do incremento da capacitação humana no Brasil. Encerro assim meu relato, agradecendo ao Governo Japonês por ter me ajudado a crescer como ser humano e como profissional, por meio dos valores e exemplos éticos do povo japonês e da alta qualidade educacional e técnica da sua comunidade científica. Agradeço de coração a todos os colegas japoneses e de outras nacionalidades que conviveram comigo nas oportunidades abertas pela JICA e que tornaram a minha vida muito mais OMOSHIROI.